O golpe, a defesa de direitos e da democracia

Por Lúcia Valadares Sartório*

Amigos, toda e qualquer posição que se coloque deliberadamente no campo do trabalho em defesa dos direitos, da manutenção/avanço das políticas públicas à saúde, educação, seguridade social, moradia, reforma agrária e tantas outras demandas sociais não pode se esquivar do reconhecimento do processo histórico em curso e suas diferentes nuances para não se sucumbir no enfrentamento à desumanização visceral nem subtrair esforços e forças sociais. Equívocos são compreensíveis, não sua reincidência, o apego aos particularismos contra o caráter universal do trabalho e sua capacidade emancipadora diante do embrutecimento, estrangulamento da dignidade humana.

Em 1964, parte da esquerda acenou com receptividade ao golpe militar, balizados pela avaliação de que se tratava do prenúncio da revolução burguesa no Brasil, por conseguinte, da superação do atraso dos restos feudais, que julgava existir, para consolidação da expansão das instituições capitalistas e interposição do capital. Somente em 1968, grupos de esquerda começaram a alçar lucidez sobre os motivos e desdobramentos da ditadura militar que se impôs no decorrer de 25 anos. Os resultados da ditadura incidiram sobre a classe trabalhadora de forma direta sob extremo arrocho salarial, empobrecimento, carestia, alijamento, perseguições políticas, assassinatos no campo, alto índice inflacionário e profunda exclusão social. À classe dominante resultou concentração de renda, fortalecimento do latifúndio, consolidação do capitalismo através da estruturação de setores privados no âmbito da educação, saúde, construtoras, bem como ampla inserção de multinacionais e pujança de suas matrizes. Para o Brasil, aprofundamento de sua subordinação econômica, dívida externa sem precedentes, enlaçamento político aos países centrais sob interferência de suas políticas e diretrizes.

Em 2016, cinquenta e dois anos depois, consuma-se uma subtração política com a finalidade explicita de se intervir nos rumos da história de um país que, apesar dos limites e debilidades, havia recuperado bases institucionais e projetos de desenvolvimento econômico e social, delineado medidas e investimentos, que proporcionaram sua inserção aos avanços científicos no âmbito da terceira fase da revolução industrial, aproximações diplomáticas que alargaram sua relação política comercial-científica com países latino-americanos, bem como alguns países da África e Ásia, que teve como resultado a formação do G20.

Novamente, o espectro da dúvida, dos sectarismos e divisionismos em relação ao reconhecimento do golpe, considerações generalizantes de que se trata tão somente de mera continuidade de políticas neoliberais que se estendem desde os governos Collor, FHC, Lula, Dilma, com desfecho no atual quadro político de sucateamentos, desmontes e privatizações de setores estratégicos e grande inserção do setor privado no alto escalão do estado, sob infortúnio aberto por Temer. O reconhecimento ou o não-reconhecimento do golpe, todavia, manifesta-se nas estratégias de luta, no engajamento cotidiano para alterar o status quo, questões imprescindíveis ao fortalecimento da resistência e enfrentamento ao massacre literal dos anseios populares e da própria democracia.

A história não é constituída na via direta entre singularidades e universalidades, mas nas múltiplas determinações expressas em particularidades. Por isso, não condiz ao pensamento crítico a generalização/uniformização do processo histórico, o que faz por ocultar a diversidade de acontecimentos simultâneos, as disputas de interesses, práticas sociais de resistências.

Nesse contexto, a chapa Renova Andes, apresenta sinalização de novos horizontes para o sindicato docente nacional, na medida em que propõe o fim do seu isolamento em relação aos movimentos sociais, por conseguinte, a defesa de sua adesão a Conferência Estadual Popular de Educação, a Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação, entre outros, buscando seu fortalecimento na aproximação com suas bases, na luta contra o golpe, na defesa dos direitos e da democracia.

*Lúcia Valadares Sartório é professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e apoiadora da Chapa 2 – Renova Andes