Em defesa dos Colégios de Aplicação

Em todo o mundo existem cerca de cem Colégios de Aplicação. As diretrizes que nortearam a criação dessas escolas foi a de concebê-las como laboratório de experiências de novas didáticas e prática para alunos de graduação. Os CAps no Brasil foram criados pelo Decreto Federal nº 9053 de 12/03/1946 e, originalmente ligados às faculdades de Filosofia, tinham a função específica e necessária de ser um espaço para que discentes dos cursos de graduação fizessem estágio e aplicação, numa situação real de ensino-aprendizagem dos conhecimentos adquiridos na faculdade e campo de experimentação pedagógica com vistas à melhoria dos ensinos fundamental e médio. Hoje, vinculados a faculdades e universidades, acrescenta-se a essas funções a educação básica, o desenvolvimento da pesquisa e extensão, campo de estágio de licenciandos e formação de professores, implementação e avaliação de novos currículos e a capacitação de docentes. No Brasil, existem apenas 17 Colégios de Aplicação e reservam especial papel na educação básica. Embora vinculados às Universidades Federais, os docentes dos CAps pertencem à categoria EBTT – Ensino Básico Técnico e Tecnológico – e as instituições apresentam algumas diferenças entre si,  níveis de educação que oferecem, algumas só Ensino Fundamental 1 e/ou 2, ou só Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), outras oferecem os 3 níveis e até pós graduações; além disso, a entrada das/dos discentes se dá nessas instituições de duas formas: por sorteio ou processo seletivo.

Esse pequeno histórico e atribuições dos Colégios de Aplicação, bem como do corpo docente, permite inferir sobre as especificidades das instituições  e necessidades vinculadas a esse segmento. Num contexto de grave contingenciamento de recursos, diversas contrarreformas e ataques aos direitos da classe trabalhadora, às universidades, e à categoria docente, que se coadunam como fruto do golpe jurídico, parlamentar e midiático no país, faz-se necessário um olhar atento às ameaças que historicamente rondam essas instituições, particularmente nesse cenário. É fato que diversos desses ataques incidem de maneira direta sobre os Colégios de Aplicação, docentes e demais membros da comunidade acadêmica dessas instituições. Citemos alguns:

– Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que estabeleceu arbitrariamente a “Reforma do Ensino Médio”. A proposta atingirá níveis preocupantes e impactantes para a juventude  e classe trabalhadora visto que traz uma concepção limitada e rasa de ensino ao impor a dissociação da formação humana, propedêutica e crítica da formação profissional. Sintetizando, a contrarreforma propõe a retirada do currículo do Ensino Médio da obrigatoriedade da oferta de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Educação Física e Artes e, consequentemente, desvaloriza a importância de tais áreas na formação integral do sujeito ao negar o direito à formação comum e ao desenvolvimento pleno do indivíduo – apregoados nos artigos 22 da LDB e 205 da Constituição Brasileira. O enxugamento da estrutura curricular, ao manter a obrigatoriedade apenas das disciplinas de português, matemática e inglês e condicionar a permanência das demais à sua inclusão na Base Nacional Comum Curricular, fere a autonomia do professor em sala de aula e, no caso dos Colégios de Aplicação, a autonomia universitária. Além disso, ao propor os Itinerários formativos, reforça uma divisão do conhecimento e aniquilação de uma concepção crítica, cidadã e de qualidade socialmente referenciada de escola. Outro ponto que merece atenção é a configuração vaga do “notório saber”, que permite a contratação de profissionais que não têm habilitação para o magistério para ministrarem aulas nos cursos técnico-profissionais. Além de representar a desregulamentação da profissão, a contratação de profissionais por “notório saber” promove a desvalorização da carreira docente e a consequente depreciação da qualidade do ensino. Ademais, compromete as licenciaturas e desvaloriza a própria concepção dos CAps enquanto espaço de formação de professores licenciandos.

– O contingenciamento dos recursos públicos federais, em virtude do estabelecimento do teto para os investimentos por vinte anos, comprometerá o aumento da carga horária proposta pela Reforma do Ensino Médio, e incidirá no reforço das desigualdades de oportunidades educacionais, já que impõem que as redes de ensino deverão decidir quais itinerários poderão ser oferecidos, limitará a criação e reposição de vagas de concurso de professores e técnico-administrativos, bem como as atividades de ensino, pesquisa e extensão, e a garantia do cumprimento dos planos de carreira de docentes e técnico-administrativos  e assistência estudantil.

– Os projetos de lei vinculados ao movimento “Escola sem Partido”, a “Lei da Mordaça”, que se caracterizam, na prática, como restrição ao pensamento acadêmico e científico e impõe uma perseguição ao professor, trazendo à sala de aula a um cenário de desconfiança, totalmente inadequado ao contexto de aprendizagem que, ao contrário, deve ser construído com base no afeto, na ampliação do olhar dos sujeitos sobre o mundo, as pessoas e o ambiente, e na confiança e no compartilhar de experiências e conhecimento.

– As restrições históricas à capacitação da categoria EBTT que ganham contornos dramáticos com a divulgação de acórdãos que desconsideram o tempo de afastamento para capacitação de professores para fins de aposentadoria.

Esse conjunto de ataques mencionados impactará negativamente na sociedade, com o comprometimento de direitos e garantias legítimas e historicamente conquistadas e incidirá também e de maneira particular nos Colégios de Aplicação. Esse “trator” não têm sido implementado, contudo, sem reação da juventude e movimentos sociais. Destacam-se,como respostas, as ocupações, protagonizadas por estudantes das diversas escolas no país, que pautavam, dentre outras bandeiras, pela não aprovação da Contrarreforma do Ensino Médio e da PEC do teto dos gastos.  Necessário sublinhar também a luta de professores municipais, estaduais e federais que aderiram a diversas greves em 2016, com vistas a denunciar e resistir ao conjunto de ataques aos trabalhadores e à juventude, expressas no golpe à democracia e nas diversas MPs, contrarreformas e investidas do Governo ilegítimo no desmonte do Estado e retrocessos dos mais variados a conquistas históricas do povo brasileiro. Diversos atos e greves gerais também marcaram o ano de 2017, liderados por movimentos sociais, centrais sindicais e sindicatos. É fato, no entanto que, num contexto do golpe, solidamente articulado nas esferas do executivo, legislativo e judiciário, da grande mídia e do grande empresariado brasileiro, financiado pela corrupção espúria do Estado em conjunto com setores do empresariado, essas lutas infelizmente não redundaram na reversão dos ataques já hoje consolidados.

Entre 15 e 16 de novembro de 2017, foi realizado no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa -Coluni – o Seminário Condicap, cujo tema era “Reformulação do Ensino Médio: a realidade dos Colégios de Aplicação”. O Seminário contou com a participação majoritária de professores dos Caps, embora tenham participado, em numero menos expressivo, discentes e Técnicos Administrativos em Educação (TAEs) e debateu, através de palestras, grupos de trabalho e discussões, a implementação da contrarreforma do ensino Médio e suas consequências. O Seminário foi importante para definir a resistência à implementação da Reforma, bem como para debater as especificidades da carreira docente, cotidiano e realidade dos CAPs. Em 12 de setembro, a Direção do Andes-SN se reuniu com representantes do Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de Educação Básica das Instituições Federais de Ensino Superior (Condicap), em Brasília (DF), com o objetivo de apresentar sua posição sobre pautas da educação federal e dos docentes de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), além de ouvir os representantes do Condicap sobre possíveis ações em comum para defender os Colégios de Aplicação (CAPs). De acordo com a Presidente do Sindicato, professora Eblin Farage, “A nossa avaliação é que a reunião foi positiva, porque os presentes se demonstraram muito abertos ao diálogo com o ANDES-SN. Inclusive pensamos em construção de ações conjuntas em defesa da carreira de docente EBTT. A ideia é que possamos ter uma agenda de conversas com o Condicap, contribuindo e dialogando com os professores de nossa base, para estreitar relações e fortalecer a luta, afirma Eblin. “Ambos os lados estavam abertos ao diálogo, e estamos pensando em construir um documento conjunto em defesa dos docentes EBTT, para pressionar o Ministério da Educação (MEC), em especial no que tange à não contagem de tempo de qualificação para fins de aposentadoria, completa a presidente do ANDES-SN. (http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=9040).

Em que pese o reconhecimento da iniciativa da Direção do Andes-SN em dialogar com o Condicap, é fato, no entanto, que apesar de propor a construção de um documento em comum, conforme afirmação da Presidente, citada acima, a proposta ainda não foi implementada. Outra proposição, defendida pela Presidente do Andes-SN, professora Eblin Farage e aprovada no ultimo Conad, de produzir uma nota técnica direcionada à Categoria EBTT, com a justificativa da “urgência da situação”, dada a retirada do direito de computar a capacitação de professores para efeito de aposentadoria (em acórdãos deferidos em 2015!), no lugar de uma cartilha destinada a esse segmento, proposta no mesmo Evento, também não recebeu a atenção e implementação por parte do sindicato.

Além das questões levantadas, a carreira docente apresenta desafios enormes e é totalmente fragmentada: professores do magistério superior e EBTT; regime de 20h, 40h, dedicação exclusiva, substitutos, bolsitas, professores com graduação, especialização, mestres, doutores, que conseguem afastamento para capacitação, outros não. Essas diversas realidades originam e somam-se planos de carreira distintos (ou mesmo ausência deles) salários e jornadas diferenciadas. Além disso, questões como a deterioração das condições de trabalho, decorrente das longas jornadas: aulas, reuniões internas, reuniões com responsáveis, conselhos de classe, atuação em pesquisa e extensão, orientação de bolsitas, salas cheias e deterioração das relações interpessoais, aumento da violência na escola, dificuldade em realizar atualizações de conteúdo e metodológicas, além cobranças de maior desempenho profissional: produtividade, resultados em processos avaliativos como vestibulares e macro avaliações, impactam diretamente no cotidiano e carreira dos docentes dos Caps. Acrescenta-se condições de formação dos professores ainda distantes de serem satisfatórias, dada as dificuldades de capacitação e ausência de um desenho mais claro do perfil profissional a ser atingido dado o número de demandas.

Isso posto, acreditamos que esse cenário, aliado às particularidades dos Colégios de Aplicação, sua vulnerabilidade e aspectos concernentes as/aos docentes dessas instituições, devem fazer valer um olhar atento do ANDES-SN com vistas a estabelecer diretrizes a atender satisfatoriamente a essas particularidades. Por isso, propomos:

TR O 37º CONGRESSO DO ANDES se posiciona:

  1. Que o Andes-SN produza uma cartilha com informações específicas sobre a categoria EBTT, com o objetivo de esclarecer direitos e ataques específicos a esse segmento;
  2. Que o Andes-SN levante, juntamente com as seções sindicais, o perfil, características e situações de vulnerabilidade das/dos docentes dos Colégios de Aplicação, que incluem agravantes de assédio moral, dificuldades de capacitação, doenças ocupacionais, incidência de implementação na prática do Escola com mordaça, dentre outras;
  3. Fazer um levantamento da situação do Reconhecimento de Saberes e competências –RSC- nos CAps, avaliando a implementação da proposta, bem como o pagamento dos retroativos; atuar juridicamente para que esses retroativos sejam pagos às/aos docentes que ainda não receberam seus valores;
  4. Valorização da carreira docente através de campanhas publicitárias implementadas pelo Andes-SN,
  5. Formação de GT sobre a carreira EBTT com vistas a discutir e lutar pela valorização e capacitação da categoria.

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Tese apresentada ao Tema III – Plano de luta dos setores

Assinam

Adelaide Alves Dias (ADUFPB – UFPB), Adriana Lourenço (ADUFAL – UFAL), Ailton Cotrim Prates (ADUFAL – UFAL), Antônio Joaquim Rodrigues Feitosa (ADUFPB – UFPB), Cássia Hack (SINDUFAP – UNIFAP), Dailton Lacerda (ADUFPB – UFPB), Elisa Guaraná de Castro (Adur). Eron Pimentel (ADUFPE – UFPE), Fábio Venturini (ADUNIFESP – UNIFESP), Fatima Aparecida Silva (APUR – UFRB), Felipo Bacani (ADUFOP – UFOP), Flávio Furtado de Farias (ADUFPI – UFPI),  Giselle Moreira (APESJF – UFJF), Hélcio José Batista (ADUFERPE-UFRPE), Helder Molina (ADUERJ – UERJ), Joelma Albuquerque (ADUFAL – UFAL), Juanito Alexandre Vieira (APESJF – UFJF), Julio Cesar Costa Campos (ASPUV – UFV), Lisleandra Machado (APESJF – IF SUDESTE MG), Luiz Fernando Rojo (ADUFF – UFF), Manoel Pereira de Andrade (ADUnB), Nayara Severo (ADUSC – UESC), Onete Lopes (UFF), Paulo Humberto Moreira Nunes (ADUFPI – UFPI), Rogério Añez (ADUNEMAT), Sarah Munck Vieira (APESJF – IF SUDESTE MG), Sérgio Murilo Ribeiro Chaves (ADUFPB – UFPB), Silvina Carrizo (APESJF – UFJF), Silvina Tarcísio Cordeiro (APUR – UFRB), Tiago Nicola Lavoura  (ADUSC – UESC)

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