A crise sanitária que vivemos assume proporções trágicas no país pela incapacidade do governo federal de seguir recomendações científicas, oferecer condições econômicas para que a população mais vulnerável se mantenha em isolamento e de retomar o investimento em saúde, educação e ciência e tecnologia, sucateadas pela política de ajuste fiscal, ancorada no teto de gastos. É em meio a essa crise profunda que a categoria docente é chamada a ter que se posicionar frente a esta situação emergencial.
Considerando que a defesa da saúde e da vida deve ser prioridade absoluta, defendemos que o retorno seguro às atividades presenciais só comece a ser discutido em um contexto em que, a partir do conhecimento da evolução do número de casos e de um sistema de testagem abrangente e local eficiente, estejamos diante de uma queda substancial do número de casos e mortes.
Essa realidade torna inescapável o debate sobre o que vem sendo chamado de Ensino Remoto Emergencial. Dado que tudo aponta para a total inviabilidade de retomada presencial do calendário acadêmico neste ano, como já vem sendo indicado por diversas Instituições Públicas de Ensino Superior, é essencial que o movimento docente debata e se posicione sobre o ensino remoto emergencial. Este documento é a contribuição do Fórum Renova Andes-SN para este debate, construída em conjunto com várias associações docentes do país que estão enfrentando esta situação.
Em primeiro lugar, reconhecemos que este é um debate complexo que, por isso mesmo, deve ser feito de forma democrática, transparente, a partir do envolvimento de toda a comunidade e com o tempo e a reflexão que a questão exige. Repudiamos, portanto, qualquer tentativa de acelerar o debate e as deliberações no âmbito das IFES, atropelando as demandas e questionamentos dos movimentos de docentes, estudantes e técnico-administrativos. Repudiamos, também, qualquer iniciativa de usar este momento para naturalizar a substituição de aulas presenciais por ensino à distância, que da maneira como vem sendo implementado majoritariamente no país, representa uma forma inaceitável de precarização do trabalho docente e perda de qualidade do ensino. Recusamos, por fim, qualquer principismo que leve a uma recusa de reconhecer, neste momento, um cenário excepcional que exige do movimento docente disposição para o diálogo e propostas concretas.
Assim, na perspectiva do RENOVA ANDES-SN, cabe ao nosso sindicato nacional, uma ação que combine a defesa veemente das condições de trabalho de nossa categoria com a defesa intransigente da Educação Pública, Gratuita, Laica, Democrática, Socialmente Referenciada e com respeito às políticas de inclusão social e permanência. Neste momento, esta ação se materializa na construção de uma pauta de reivindicações, tanto para as direções das IES quanto para o governo federal, que tem como eixos iniciais:
Para o retorno às atividades presenciais nas IES:
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Exigência que o retorno presencial nas IES seja decidido de forma democrática, com participação de docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos e a partir dos critérios científicos definidos pela OMS com máximo respeito à saúde e à vida;
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Protocolos sanitários claros para o retorno, também construídos de forma democrática e com garantia de recursos por parte do governo federal para a aquisição de EPIs, testagem abrangente e demais insumos para garantir máxima segurança para toda a comunidade;
Para o ensino remoto emergencial, no caso de instituições que já tenham adotado ou estejam caminhando para a adoção dessa modalidade:
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Exigir das direções das IES que o debate se dê de forma transparente e democrática, envolvendo toda a comunidade, garantindo tanto a produção de informações atualizadas e confiáveis quanto espaço para que os movimentos de docentes, discentes e técnico-administrativos apresentem suas reivindicações.
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Exigir o compromisso de que tal retomada seja apenas e tão somente em caráter emergencial, momentâneo e extraordinário.
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Cobrar tanto das direções das IES quanto do governo federal que priorizem plataformas públicas de ensino, reconhecidas e construídas pelas próprias universidades públicas, limitando o uso de plataformas privadas nas atividades de ensino e apontando para a luta pela soberania digital como meio de assegurar o acesso livre, gratuito e seguro às redes digitais e combatendo os processos de privatização derivados da imposição da EaD pelo atual governo.
Exigir garantias contra a precarização do trabalho e do ensino que envolvem: i) regulamentar o tempo gasto com preparação, planejamento, atendimento a alunos; ii) regulamentar o tempo das reuniões virtuais e o intervalo entre elas; iii) limitar a jornada de trabalho; iv) assegurar jornada diferenciada às professoras e a professores que tenham filhos ou outros familiares que exijam cuidados; v) garantir isonomia das condições de trabalho, garantindo padrões mínimos de velocidade de rede, equipamentos e softwares, com a aquisição de planos, equipamentos e licenças, se necessário; vi) demandar compensação aos docentes, por meio de benefícios e complementos salariais, pelos custos extraordinários que terão de arcar individual e pessoalmente para preparar e desenvolver atividades.
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Exigir uma política consistente de inclusão digital para discentes, baseada em dados atualizados sobre o perfil socioeconômicos dos estudantes e suas limitações sociotécnicas, garantias de acesso à internet, a equipamentos e local de aprendizado.
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Exigir uma regulamentação emergencial do regime de trabalho remoto (que, afinal, é também emergencial).
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Nas situações de conclusão de semestre durante a pandemia (instituições que suspenderam atividades no fim do semestre letivo), lutar para que se assegure as condições mínimas para professores e alunos conseguirem chegar ao fim das disciplinas, o que implica assegurar a isonomia nas condições de permanência dos estudantes durante as aulas e demais atividades formativas (acesso à rede e aos dispositivos para tal). Neste último caso, exigir o cumprimento das exigências para a modalidade à distância. As mesmas exigências se aplicam aos cursos de pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado – considerando a situação dos docentes, discentes e as referências à qualidade destas ofertas. Quanto aos cursos de pós-graduação lato sensu, as atividades presenciais deverão ser recompostas, sob formas acordadas entre as partes envolvidas (coordenações, docentes e estudantes).
É importante lembrar, neste momento em que dependemos de ações e recursos do governo, que mesmo antes da pandemia a Educação, a Ciência e a Tecnologia já estavam enfrentando uma crise profunda de financiamento. O contingenciamento do orçamento impossibilitava o funcionamento das IES até o final do ano, o orçamento da CAPES foi reduzido em 50%, o do CNPq teve redução de 90% para apoio à pesquisa e o FNDCT teve 90% de seus recursos contingenciados. Por isto teremos que nos organizar para resistir na defesa da vida e do ensino. Devemos esclarecer a sociedade e nossos alunos sobre a responsabilidade do governo federal para o risco da perda do ano letivo. Devemos exigir a correta aplicação dos recursos públicos de acordo com as prioridades nacionais ao invés de serem destinados ao mercado financeiro como vem sendo feito pelo ministro Guedes neste momento de calamidade pública. Está claro que os problemas que enfrentamos não terão solução sem o fim do governo Bolsonaro/Mourão e novas eleições, mas devemos lutar e resistir na defesa das Instituições Públicas de Ensino Superior, além de nos somar às mobilizações da sociedade.
FÓRUM RENOVA ANDES-SN